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       Amostra do meu livro novo 

                  Diálogos Satânicos
                          Paulo Lucas

   
Capítulo 1

Mauricio estava totalmente imerso no texto que digitava em seu terminal de computador. Ele tinha que terminar a matéria para que fosse impressa no jornal de amanhã. Seus dedos se moviam rapidamente no teclado. Era um exímio digitador, os caracteres surgiam como passe de mágica no editor de texto. Fazendo uma ligeira pausa no que estava fazendo, sua mão direita foi ávida para o bolso da camisa social em busca de um cigarro. Estava louco por uma tragada.
Sandra riu gostosamente e olhou para o colega de trabalho. Era uma morena linda com os cabelos curtos e cacheados. Vestia uma camiseta e uma calça jeans azul que realçava suas curvas generosas.
— Eu não te disse que você não ia aguentar? Quer um cigarro? — ela zombou.
— Não. Eu tô parando mesmo — Mauricio disse com firmeza, mas todo o seu corpo gritava pela merda de um cigarro. Devolveu um olhar irritado para Sandra.
— Se caso começar a tremer as mãos é só pedir um. Dizem que a abstinência pode dar taquicardia...
— Porra Sandra, dá um tempo!
Sem demonstrar chateação com a irritação do colega, Sandra disse. — Ai que merda! Parece que a Alice tá fazendo falta mesmo, não?
Mauricio desviou o olhar da tela do computador, seus olhos chispavam fogo de raiva quando encarou Sandra.
— Mais que saco eim? Hoje você tirou o dia pra me chutar as bolas mesmo, não é? Você não tem nada pra fazer não? Se não tem, vai procurar alguma coisa pra fazer.
Sorrindo o tempo todo, Sandra se inclinou junto à mesa dele. — Eu vou, mas antes você tem que prometer que vai jantar comigo. Que tal? A gente pode ir depois do trabalho.
— Não sei não. Acho que vou pensar — ele disse ainda meio irritado. O nervosismo era mais pela vontade de fumar do que outra coisa.
Sandra ficou séria. — Eu sei que não é da minha conta, Mau, mas você tem que se divertir um pouco. Eu sei que uma separação não é fácil, você sabe que eu já passei por isso. Eu sei do que tô falando. Quando o Pedro me deixou por causa daquela lambisgóia, eu fiquei arrasada. Achei que o meu mundo tinha acabado. No fim a gente sempre supera.
Mauricio se virou totalmente para ela. Parecia mais calmo agora. — Aquela doida me deixou com um vazio aqui dentro, — ele colocou a mão no peito — não sei se vou sair dessa.
Sandra colocou a mão no ombro do amigo. — Você vai sair dessa com certeza. Eu estava nessa aí, mas acabei descobrindo que há vida depois da separação.
O redator-chefe Antônio Almeida se aproximou dos dois. Usava uma camisa social azul clara com gravata vermelha, sua calça cinza era muito bem passada e com vincos. O homem gostava de se vestir com esmero.  Antônio era um homem de baixa estatura. Tinha uma compleição atarracada com um ventre ligeiramente avantajado, mas tinha braços fortes, talvez de trabalhos braçais anteriores. Tinha vindo de Alagoas ainda muito jovem, e ralara muito para chegar onde estava agora. Trabalhando de dia e estudando a noite, conseguira se formar em jornalismo. Entrou no jornal e depois de alguns anos chegara a redator-chefe do “Notícia do Dia”. O Notícia era um dos mais importantes jornais de Campinas, com expressiva tiragem diária. O grupo que o controlava também possuía uma emissora de TV na cidade. O redator era um homem extrovertido e muito querido pelos seus subordinados. Ele era diferente dos chefes ranzinzas que causavam azia nas pessoas. Antônio era padrinho de batizado do menino de Sandra, e o adorava como se fosse seu próprio filho.
— E aí Mau? Como tá a matéria sobre a casa mau assombrada do Campos Elíseos?
Mauricio coçou uma das sobrancelhas. — Estou quase acabando Toni. Já estou nos últimos parágrafos.
Antônio que para os mais chegados era o Toni, deu uma risadinha. — Você tá com uma cara danada hoje, eim? Que bicho te mordeu cara?
— O Mau tá doido pra dá uma tragada num cigarro, Toni — Sandra explicou.
Tôni arqueou as sobrancelhas e se virou para Sandra. — Ele não disse que ia parar?
— Ele disse. Mas você sabe como é?
— É. É foda mesmo. No começo a gente fica na unha do carcará — Toni disse pensativamente. — E a matéria sobre o tal do Paulão do bairro Santa Lúcia? O cara atirou naquela gente do bar mesmo?
Isso era com Sandra que cobria as matérias policiais da cidade.
— Eu passei a manhã toda no bairro Santa Lúcia entrevistando as pessoas e coletando dados para a matéria. O pessoal disse que o Paulão era um usuário de farinha e muito encrenqueiro. Disseram que ele arrumava uma briga quase todos os dias. Era um tipo valentão que andava armado. Parece que tinha uma treta com o Juca do bar por causa de uma mulata.
— E ele tentou resolver essa treta atirando na turma que tava tomando uma no bar? — Mauricio perguntou.
— Foi assim mesmo. Parece que a mulata tinha passado um tempo com o Juca dono bar. Depois que conheceu o Paulão, ela decidiu deixar o Juca por ele. Parece que o Juca tava ameaçando o Paulão já algum tempo. O homem resolveu tirar isso a limpo antes que a coisa ficasse pior. Aí resolveu sapecar não só o Juca, como todo mundo que tava dentro do boteco — Sandra explicou.
— Ótimo. Isso realmente é muito bom. Eu quero a matéria na segunda página e com destaque. O Bira tirou alguma foto boa dos presuntos lá no boteco? — os olhos de Toni brilharam. Ele adorava essas matérias de matança, isso fazia o jornal vender bastante.
— Tem uma braçada pra você escolher Toni.
— Tem alguma do tal do Juca cheio de azeitona?
Sandra riu da morbidez do chefe. Para ela tinha sido horrível ver as dantescas cenas daquelas pessoas mortas dentro do botequim. O Paulão tinha sapecado meio-mundo com uma pistola 380.
— O Bira tirou uma muito boa do sujeito caído perto da mesa de bilhar.
— Então vai ser essa mesmo. Ela vai dar destaque à matéria.
Toni se voltou para Mauricio. — E a tal da casa, Mau? Era realmente assombrada?
Mauricio ajeitou a postura na cadeira. — Pelo o que pude apurar até agora, parece que os moradores começaram ver umas sombras escuras passando pelos cômodos à noite. Ruídos como que de corrente se arrastando são ouvidos constantemente, como também vozes chamando. A dona da casa quase teve um ataque quando algo a apertou contra o colchão durante o sono. Segundo o que ela me falou, era como se uma pessoa tivesse subido em cima dela, chegando a quase fazer o estrado da cama se quebrar. O marido acordou com os terríveis gritos dela.
— Nossa, que coisa terrível. Olha aqui gente, tô toda arrepiada — Sandra esticou um dos braços.
Maurício continuou. — O casal andou chamando uns pastores pra benzer a casa.
— Benzer não Mau. Os evangélicos não dizem benzer, eles dizem orar — Toni acrescentou.  — Vê se coloca orar e não benzer na matéria. Está bem?
— Que seja Toni. Pra mim tanto faz se é benzer, orar ou que merda que seja. Eu não acredito nessas baboseiras de espíritos desencarnados, almas ou Ets. Acho tudo isso uma tremenda duma baboseira. Essa gente enche a barriga de churrasco e cerveja, depois fica dizendo que tá vendo coisa.
— Eu acho que devem existir essas coisas, Mau. Você sabe que a literatura mostra muitos casos que a ciência não consegue explicar até hoje. Você deve ter ouvido falar do caso daquela alemã que ficou endemoniada... Como é mesmo nome dela Toni? — Sandra encarou Toni.
— Annealiase... Eu acho que era Annealiase Michel. É isso mesmo, ela se chamava Annealiase Michel. Fizeram até um filme assustador sobre esse caso de possessão demoníaca. A moça morreu com o padre tentando tirar o caboclo de cima dela — Toni sorriu.
— Foi isso mesmo. O caso repercutiu muito na imprensa da Alemanha, principalmente no julgamento do padre. Ele foi acusado de ter assassinado a moça — Sandra emendou.
— Eu de minha parte, andei pelo quintal da casa, fui à edícula dos fundos e não percebi nada de diferente — Mauricio acrescentou entediado.
— Chegou a verificar dentro dos cômodos? Viu alguma coisa de diferente dentro da casa? — Toni arqueou as sobrancelhas.
— Claro que verifiquei. Completamente sozinho eu andei pelos cômodos para ver se via alguma coisa. Cheguei até a ficar duas horas sentado dentro de um dos quartos e no escuro.
— E o que sentiu lá dentro? — Sandra tinha um brilho de curiosidade nos olhos escuros.
Mauricio fez uma demorada pausa de efeito para aumentar o suspense.
Toni quase explodiu de curiosidade. — Vamos cabra desembucha! Que tu viu lá dentro? Sentiu algo de diferente?
— Claro que eu senti — disse Mauricio com a cara mais lisa do mundo.
— O que você sentiu lá dentro? — Sandra estava ansiosa.
— Na verdade senti um baita dum tédio, quase caí no sono dentro daquele quarto escuro. Gente, lá não tinha nada de fantasma ou qualquer coisa de espírito. Eu acho que o casal chamou a imprensa só pra fazer uma média, acho que tão querendo se aparecer. Estão querendo ficar famosos.
— Tu não devia brincar com essas coisas não home. Sei que tu além de jornalista é formado em psicologia, mas não brinca com isso não.
Mauricio olhou para Sandra e depois para o chefe. Sorriu achando graça do temor dele.
— Pô Toni, vai me dizer que você acredita nesse monte de baboseira?
Toni ajeitou a cinta da calça. — Não sei não Mau. Você foi criado aqui no sul e nunca viu nada de diferente rapaz. Já no meu caso, eu venho do nordeste e lá a gente tem a nossa cultura. Só acho que nesse universo existem coisas que a ciência não conseguiu explicar até hoje. Eu prefiro não abusar disso.
— Eu concordo com o Toni. Eu li certa vez que desde de a antiga Suméria já existiam casos terríveis de assombração, possessão e outras manifestações paranormais — Sandra disse.
Mauricio riu. — Tá certo. Seria algo como aquela estátua feia que aparece no filme Exorcista? Dá um tempo Sandra. Tudo mundo sabe como o folclore dos povos mesopotâmicos era riquíssimo. Vocês dois deviam ler o livro do Carl Sagan que fala justamente sobre essas superstições tolas.
— O astrônomo americano era um cientista e um cético, não acreditava nessas coisas. É evidente que ele acabaria escrevendo algo sobre isso. Vocês devem ter visto a série televisiva dele. Aquela que se chamava Cosmo foi muito famosa na época, eu me lembro muito bem — Toni disse.
— Como você mesmo disse Toni, eu sou formado em psicologia. A gente sabe como a mente humana pode criar coisas imaginárias, pode criar situações fantasiosas. Existem inúmeros fatores que podem causar alucinações, principalmente se o gatilho for o estresse ou o uso de drogas. De repente o casal pode estar passando por um período de dificuldade na relação. Vai se saber, né?
— Mas você não disse que alguns vizinhos também viram coisas lá dentro da casa? Que alguns deles saíram correndo e disseram que até foram agredidos por algo — Sandra acrescentou.
— Espero que você tenha colocado isso na matéria também, eu quero os nossos leitores presos do começo ao fim na matéria. Tu sabe como isso faz com as vendas, não é?
— Claro que eu sei Toni... Eu sei disso. Só acho que deveríamos colocar alguns especialistas explicando que tudo isso pode ser também outra coisa, e não fantasmas. Acho que o povo merece ouvir o outro lado também.
Sandra balançou a cabeça negativamente em ver como Mau era cético mesmo.
Uma ruga de irritação surgiu na testa de Toni. — O povo, você fala o povo. Mau, você acha mesmo que essa gente que pega ônibus lotado de manhã, e carrega marmita cheia de zoião tá a fim de ler papo de especialistas? Você acha que o povão tá a fim de ler explicações de um bando de bichas refinadas? Você acha mesmo que o Zé Povinho perde tempo lendo coisas que essas bichinhas cheias de salamaleques escrevem?
Sandra olhou preocupada em volta e colocou uma mão no ombro do chefe. — Vê se pega leve com esses comentários homofóbicos Toni, sabe que isso é antiético.
Toni ajeitou nervosamente a gravata. — Me desculpe Sandra. É esse meu jeito desbocado de nordestino — ele se voltou novamente para Mauricio. — É isso mesmo meu chapa. O povão quer ver sangue; é isso que vende jornal meu amigo. O povão quer ler sobre os campeonatos de futebol e matança.
— Por isso que esse país tá essa merda que tá. Acho que a mídia poderia aumentar o nível intelectual das pessoas, só isso — Maurício acrescentou. Era do tipo pirracento e sabia que isso fazia com que Toni ficasse eloquente. No fundo ele pensava como seu chefe, sabia que o que importava era vender jornal, nada mais. No fundo só tava de sacanagem.
— Tu precisa andar mais pelas ruas meu chapa. Se acha que esse bando de garotas que andam pelos bairros com shortinho enfiado no rabo, tá preocupado com uma boa leitura? Acredita mesmo que essas vagabundas perdem tempo com a cara enfiada num livro?
— Nossa Toni, que horror! — Sandra exclamou.
— É isso mesmo Sandra. Sei que os meus comentários são medonhos, sei disso. O governo federal gasta milhões com a educação, para que esse pessoal da classe pobre seja alguém na vida. Mas os fi-de-rapariga só vão para as escolas pra fumar baseado e pra transar. Isso é lamentável de se dizer, mas é a mais pura realidade. A grande maioria só passa de ano porque agora não se repete mais, automaticamente são aprovados. Os desgraçados nem sabem ler direito e quando lêem, não sabem interpretar o que estão lendo. A maioria daquelas antas de shorts enfiado no cú, só sabe fazer filho pra ganhar Bolsa-Família. As infelizes nem sabem falar direito, sempre mantém algo dentro da boca e vocês sabem o que é.
Sandra estava horrorizada com os comentários de Toni. Ela sabia da infância muito difícil dele. Que ele passara muita necessidade, apanhando muito nas mãos de um pai bêbado. Depois de conquistar uma situação econômica muito confortável, provavelmente Toni via os pobres das favelas como culpados da maioria dos males do país.
Ela disse a ele. — Calma Toni. Uma hora você vai arrumar confusão com esses seus comentários. Você é um jornalista e não devia falar desse jeito. Realmente acho que isso não fica bem pra você. Nas ruas existem milhares de pessoas que gostam de uma boa leitura, que sabem ler muito bem. Não devemos generalizar.
Toni olhou para Mauricio e o viu de olhos estreitados quase rindo.
— Seu grande filho da mãe!  — ele se virou para Sandra. — Você está vendo isso Sandra? Esse cara sabe o meu ponto fraco. Sabe como eu explodo numa verborréia quando o assunto é o povão.
— Você tem paixão quando fala chefe. Já pensou em se candidatar a um cargo político?
— Vê se pára de babar no meu ovo e termina logo essa matéria. E vê se coloca emoção na coisa, você sabe como um suspense ajuda enriquecer a matéria. Procura priorizar sobre as sombras escuras e as vozes na casa. Você sabe que uma matéria jornalística é como massa de bolo, quanto mais fermento se põe, mais a massa cresce.
— Pode deixar chefia. Você vai gostar de ler.
— Brincadeiras à parte e independente de você me fazer vender muito jornal, você não devia abusar das coisas do outro mundo Mau. Você acreditando ou não, elas existem e estão por aí.
— Tudo bem. Já que diz isso... Mas continuo achando que deve haver uma explicação científica pra tudo. Acho lamentável que em pleno século 21 as pessoas continuem acreditando nessas bobagens de misticismos, espíritos e outras coisas quaisquer.
Enquanto começou a se afastar Toni disse. — Espero que você tenha razão meu chapa. Espero que nunca veja nada. Espero mesmo.
Depois que o chefe partiu, Sandra disse. — Você viu o rosto do Toni quando ele disse aquilo? Estranho. Fez um cara como se já tivesse visto alguma coisa mal assombrada.
Mauricio se virou para trás e olhou enquanto Toni voltava para a sala dele.
— Bobagem. Você sabe como os nordestinos são cheios de crendices e lendas. Ainda acreditam em lobisomens, mula-sem-cabeça e Saci Pererê. Coisas do folclore, nada mais.
Sandra voltou para a mesa dela. Enquanto Mauricio ficou só com seus pensamentos terminando de escrever sua matéria. Começou a pensar em aceitar o convite de Sandra para jantar. Bem, até que poderia ser uma boa. Tinha notado como a colega de trabalho estava mostrando um certo interesse por ele ultimamente. Ele já tinha tido muita amargura com a ex-esposa Alice, não estava querendo arrumar mais encrenca nenhuma. Sabia que tudo começava com uma jantar ou até mesmo um almoço. Para logo vir à cama e em seguida as inevitáveis cobranças de compromisso.
Droga! Que se dane tudo! — ele disse a si mesmo mentalmente. Decidiu aceitar o convite dela para jantar.
Voltando a prestar atenção na tela do computador, ele finalizou a matéria sobre a casa mal assombrada do Jardim Campos Elísios. Ele suspirou profundamente e disse para si mesmo que, tudo não passava de uma grande bobagem. Tolice de gente crédula.          
                           

  
Capítulo 2

Sempre no mês de julho, Campinas apresenta um típico inverno seco. Com temperaturas altas pelo dia, todavia à noite costumando cair um pouco. O prédio de sete andares do jornal Notícia do Dia era novo. Ficava na Avenida Tancredo Neves, muito próximo ao bairro Vila Rica. Já era início de noite; um vento frio fazia com que as copas das árvores perto do edifício balançassem suavemente, em cima, o céu estava limpo e estrelado. Na avenida os carros passavam apressadamente, seus donos estavam ansiosos para chegar em casa, para suas famílias e ter o merecido descanso.
Mauricio Lemos saiu com o seu Fiat Pálio do modelo novo da garagem subterrânea da empresa. Por um momento, ficou esperando uma brecha para entrar na avenida. Dentro do carro a voz lamuriosa de Amy Winehouse soava em volume alto: The love is losing game!  Ele estava numa fase meia deprê e músicas como esta eram o prato do dia para ele. Alice tinha lhe deixado por causa de um carinha que conhecera numa viagem para a Espanha. Voltara de lá dizendo que não o amava mais, que a relação dos dois tinha esfriado e que o melhor a fazer era dar um tempo na relação. O dar um tempo na concepção dela, tinha sido um pequeno caminhão de mudanças encostando-se à frente do prédio, para recolher as caixas com seus pertences. Mauricio simplesmente ficou observando a partida dela e não disse uma palavra sequer. Mas se dissesse, será que adiantaria alguma coisa? — era isso que rodava dentro da mente dele enquanto o carro avançava pela Avenida das Amoreiras.
Antes que ela partisse; ele deixando o orgulho de macho de lado, disse a ela que a amava e não queria perdê-la. Disse que poderiam tentar reviver a relação combalida. Ela simplesmente o encarou com os frios olhos azuis e a resposta foi isso: Eu não te amo mais Mauricio. Estou gostando de outra pessoa. Foi o que disse e nada mais.  Naquele dia ele chegou a acreditar que podia aguentar o tranco, que suportaria ouvir isso na lata. Todavia, sentiu como se um bolo gelado tivesse entrado por sua garganta. Sentiu como se seu interior fosse se esfriando lentamente. Como poderia ser quando se sente morrer lentamente.
Já na altura do viaduto da rodovia Anhanguera, um motoqueiro entrou no meio do carro de Mauricio e de outro cidadão. Por um breve instante ele chegou a pensar que o cara arrancaria a lateral de seu carro, por um triz o motoboy não se esborracha no asfalto. O susto lhe ajudou a sair daqueles pensamentos sombrios sobre o termino da relação com Alice. Na verdade, lhe fez lembrar que tinha aceitado jantar com Sandra. Todos os seus neurônios lhe gritavam que Sandra não era Alice, fazendo-o sentir um grande vazio interior. Com um olhar vazio, ele leu mecanicamente o grande letreiro do Atacadão Tendas, como se aquilo pudesse ajudá-lo em alguma coisa.
Quando chegou à rua lateral ao Hospital Dr. Mário Gatti, ele sentiu um forte desejo de dar o cano em Sandra, e passar o resto da noite zoando na zona do bairro Itatinga. Era como se uma forte compulsão martelasse sua mente, guiando-o para encher a cara e lançá-lo nos braços de uma garota de programa de rosto anônimo. Por um momento sentiu um frêmito de excitação. Chegando a passar a língua nos lábios, como se tivesse vendo um prato delicioso a sua frente. Com forte força de vontade, disse a si mesmo para deixar de pensar nisso. Que mantivesse a mente no jantar que teria logo adiante com Sandra.
Vários minutos mais tarde, ele chegou ao seu prédio na Avenida Júlio de Mesquita no centro. Estacionou o carro em sua vaga e subiu para seu apartamento. Depois que Alice partira, ele estava pensando em alugar uma casa ou até mesmo um apartamento mais simples. O aluguel no centro de Campinas estava proibitivo para ele, teria urgentemente de remediar a situação. Quando abriu a porta do apartamento, se deparou com as correspondências que o porteiro Bento deixara por baixo da porta. Sujeito bom de bola — Mauricio pensou. Nas folgas o cara gostava de jogar futsal no clube, e sempre convidava Mauricio para bater uma bola. Nesses momentos de futebol e descontração, os dois colegas acabavam conversando sobre diversos assuntos, inclusive sobre Alice. Bento dizia que em se tratando de mulher que vai embora, o remédio era arrumar outra pra esquecer o assunto. Você tem que partir pro ataque brou — dizia Bento — em vez de ficar nessa choradeira porque ela foi embora. Senão mermão, tu vai se descobrir um dia cheio de cabelo branco e que a vida passou. Já te disse. Você tem que partir pro ataque. Sorrindo. Mauricio teve que concordar com o cara. Achava que devia aproveitar que Sandra tinha uma quedinha por ele, e cair de cara.
Com um olhar para o interior do apartamento, teve a certeza que devia mudar daqui imediatamente. Tudo lembrava Alice; o cheiro dela ainda estava por toda parte. Sentiu que enquanto permanecesse neste lugar, seria difícil de esquecê-la de verdade. Antes de tirar a roupa para tomar uma ducha, deu uma passada de olhos nas correspondências. Grande parte delas não passava de baboseira de propaganda e algumas cartas de candidatos pedindo votos para a próxima eleição municipal. Mas um envelope branco lhe despertou a atenção, na face estava escrito: Bragança e Silva Associados. Escritório de Advocacia.
Com certo temor de que Alice tivesse lhe colocado no pau, ele abriu o envelope com as mãos trêmulas. Só me faltava àquela desgraçada ter me colocado na justiça! — ele pensou enquanto engolia em seco. Porém, a carta dizia o seguinte:

Ilmo. Senhor Maurício Lemos.

A Bragança e Silva Associados vêm através desta, lhe informar com grande satisfação, que é Curadora dos bens do senhor Roberto Lemos já há alguns anos. Como é de conhecimento de nossa empresa, o senhor Roberto Lemos é um irmão de seu pai e que é, portanto, vosso tio paterno.
A nossa empresa se sente privilegiada em administrar os diversos imóveis e bens que vosso tio possui no Estado de São Paulo, inclusive na Comarca de Campinas. Para fins de esclarecimento, informamos também que vosso tio lavrou seu testamento conosco. Encontra-se em nossa posse o referido testamento acima citado; com o expresso desejo por parte do titular, que o mesmo fosse aberto após seu falecimento. 
No referido testamento estavam relacionados alguns herdeiros, que evidentemente terão assim o direito de tomar posse dos bens deixados por vosso tio. Com a citada leitura do mesmo, nós descobrimos que o vosso nome estava na relação. Cabendo ao senhor tomar posse de uma propriedade situada na cidade de Campinas.
Assim, estamos honrados em recebê-lo imediatamente em nosso escritório que se encontra a Avenida Joaquim de Souza Campos, número 457, centro.
Desde já, estamos honrados em recebê-lo e agradecemos a vossa atenção.


Campinas, 26 de Julho de 2010.

Marcelo Ribeiro Vendemiatti, Advogado.  

Depois de soltar um longo assobio, Mauricio ficou pensativamente olhando a carta em sua mão. Inacreditável que o velhote tivesse se lembrado dele justamente agora. Ainda mais que sempre foi um tio distante que quase não visitava seus familiares. Na verdade, Mauricio tinha visto seu tio Roberto umas cinco vezes na vida. O sujeito era uma pessoa de poucos amigos e com fama de sovina, era extraordinariamente rico e vivia em uma de suas grandes fazendas na Bahia. Era incrível o homem se lembrar justamente de um sobrinho, que não tivesse quase nenhuma relação com ele. Independente de qualquer coisa, Mauricio se sentiu contente em herdar essa propriedade de seu falecido tio, só não estava a fim de ter que ir com seu pai para o velório do irmão dele lá na distante Bahia. De fato, isso caía como uma luva nesse momento de sua vida. Já que estava louco para deixar de pagar aluguel. Bem, ainda restava saber se era uma casa habitável, ou o seja o que fosse. Não devia ir com tanta sede ao pote, nesse caso, poderia quebrar a cara.
O que Mauricio não sabia, era que ao abrir a correspondência, dera início aos acontecimentos que mudariam sua forma de ver o universo. Se ele soubesse o que lhe aconteceria mais tarde, nunca teria aberto aquela correspondência.        


  
Capítulo 3

Depois de pegar Sandra no apartamento dela, Mauricio a levou para jantar no Bonanza Grill. A casa que era famosa por sua costela na brasa e os pratos diversos da culinária brasileira. Dizem que é bola fora levar uma garota que sai com a gente pela primeira vez logo para uma churrascaria. Todavia os dois já eram amigos de longa data e colegas de trabalho. Já conheciam a casa, e de vez em quando se reuniam para um happy hour. O salão de jantar era amplo, as paredes tinham uma calmante cor bege com quadros de paisagens e naturezas mortas. Num dos cantos havia uma banda tocando e um cara de smoking cantando em inglês. O repertório consistia em músicas de Tony Benet e Frank Sinatra. Quando entraram foram recebidos ao som de: Fly me to the moon...
Sem muita convicção Mauricio se sentou de frente para Sandra e esperou pelo próximo passo. Sandra estava realmente bonita naquela noite. Ela estava com uma blusa com um belo decote, que evidenciava perfeitamente a beleza dos seios. O perfume dela era doce e o deixou plenamente ligado. Ela percebeu perfeitamente que ele a notara e estava pronta para trabalhar em cima deste detalhe.
Finalmente o garçom se aproximou e eles decidiram pedir dois chopes gelados para começarem a comer.
— O que foi Mau? Parece que você está mais contente hoje. O que aconteceu? — Sandra recebeu o copo de chope do garçom.
— Se eu te contar você não vai acreditar. — Mauricio deu uma risadinha meio sem graça.
— Então me diga. — os olhos dela brilhavam de curiosidade. Na verdade, ela estava feliz por ver Mau um pouco mais contente.
— Você se lembra que eu te falei que tinha um tio que morava na Bahia? — Mauricio encarou o colarinho de espuma do chope gelado.
— Claro que eu me lembro. Não era aquele tio rico e fazendeiro, que você dizia ser mão-de-vaca?
— É esse mesmo. O meu tio Roberto não era muito chegado em reuniões familiares. O cara quando vinha a São Paulo, dificilmente vinha na casa de meu pai ver a gente.
— Por quê? Eles eram brigados?
— Sei lá. Às vezes eu perguntava pro meu pai e ele desconversava. Eu só sei que eles eram muito unidos na adolescência. Só se sabe que a coisa mudou com o tempo.
No palco o sujeito de smoking ainda choramingava Fly me to the Moon e as outras pessoas comiam, bebiam e conversavam animadamente. Sandra sabia que esta noite era sua chance de fisgar Mau. Se ela perdesse a esta oportunidade, tinha sérias dúvidas se conseguiria arrastá-lo para outro encontro. Do jeito que ele estava abatido com a separação, ela não tinha garantias se a noite terminaria no motel. Bem, só o fato de ter conseguido trazê-lo aqui já era uma vitória bem expressiva.
— Mas, me diga o que realmente aconteceu. — Sandra disse. Mas, o que ela realmente queria era tê-lo nos braços mais tarde.
— O meu tio faleceu.
— Ah? Eu sinto muito, Mau... — ela disse meio sem graça.
— É... Eu e meu tio não tínhamos muita intimidade. Mas não sei como ele pôde se lembrar de mim. — Mauricio bebericou o chope gelado.
— Como assim?
— O engraçado que ele me deixou uma propriedade aqui em Campinas.
— Oh! É mesmo? Puxa vida que bom! Agora você finalmente vai poder sair do aluguel, não é? — ela realmente estava feliz por ele, mas queria que a conversa estivesse tomado outro rumo.
— Eu recebi uma carta dos advogados pedindo para que eu comparecesse para assinar a papelada amanhã... — Mauricio parou de repente e olhou para a janela com vista para o estacionamento do restaurante,
Sandra notou aquilo e achou estranho. — O que foi Mau?
— Eu... Eu não sei. Parece que tinha um homem de terno preto me encarando de lá de fora pela janela. Foi muito rápido. Quando eu tornei a olhar, ele já tinha saído da janela.
Sandra se virou e olhou para a janela, mas não viu nada ali.
— Vai ver que é alguém que te conhece. Como era o cara?
Mauricio olhou novamente para a janela. A visão do sujeito pálido e de cabelos lisos penteados para trás como o Drácula dos filmes, foi realmente muito estranha. O homem estava vestido esmeradamente com um terno negro bem cortado. Até parecia um siciliano das histórias de gângsteres. Até o grande nariz aquilino fazia parte do figurino do sujeito.
 Mauricio descreveu para Sandra como era a descrição do sujeito que o encarara através da janela. Ela deu uma risada. Provavelmente achando o figurino antiquado muito engraçado. Então os garçons começaram a se revezar cortando carnes nos pratos dos dois e o assunto do homem de terno preto foi esquecido.
Sandra encarou Mau no olhos para ver se ele percebia como ela estava se sentindo. Decepcionada ela notou que ele era como a maioria dos homens. Ele não percebia o tesão que ela sentia por ele. Ela achou que deveria mudar a forma de abordagem com ele, se quisesse ter sucesso aqui. Parecia que Mau tinha milhões de coisas na cabeça, menos a mínima possibilidade de sentir que ela estava atraída por ele.
 — Mau... — ela começou numa voz meio dengosa — Eu acho que estou gostando de você...
Ele parou de cortar um filé de maminha e olhou para ela. — É sério?
Ela sentiu vontade de dar pancada nele. Ela se abrindo toda e ele só perguntando se era sério. Mas para completa surpresa dela, Mau pegou a mão esquerda dela e acariciou. Ela sentiu um fogo subir no baixo ventre.
— Bem... Você sabe que eu acabei de separar agora, não é?
Ela abaixou a cabeça pensando que tinha perdido a parada.
— Eu sei. — ela disse num fio de voz.
— Mas por outro lado eu acho que a gente poderia tentar, quem sabe? — Mau completou.
Ela o encarou com olhos brilhantes. — Oh, Mau! Sabe... Na verdade eu estou apaixonada por você. Só não tive coragem de lhe dizer antes.
Mau sentiu uma terrível vontade de fumar um cigarro. Ouvir que Sandra estava apaixonada por ele o deixou tenso. Era certo que ele já tinha percebido que ultimamente ela lhe dava muita atenção. Mas paixão naquilo tudo era uma coisa que ele jamais imaginara.
— Mesmo com todas as memórias de Alice ocupando minha mente atormentada... Digo... Você quer tentar assim mesmo?
— Eu quero. E sempre tenho certeza do que eu quero. — ela disse com firmeza.
Ele segurou a mão esquerda dela com firmeza. Sandra sentiu como se um fogo irradiasse do toque dele.
— Como te disse antes, eu acho que a gente pode tentar. Acho que uma nova relação me fará viver plenamente.
Agora ela realmente sentiu que estava ganhando terreno firme. Ela percebeu que estava muito perto de entrar na vida dele. Ela sabia muito bem como mulher que teria que travar uma dura luta com o fantasma mental de Alice. Mas ela tinha plena certeza de possuir ferramentas para fazer com que Mau a esquecesse definitivamente.
Depois de comerem e conversarem, a noite foi muito boa. Eles terminaram no apartamento dele. Sandra finalmente conseguiu o que queria. Agora Mauricio era realmente dela. Ela não sabia como seria o futuro, mas o que importava realmente para ela era o presente. O futuro quando chegasse, seria administrado da melhor forma que ela pudesse.


                    
           
   Capítulo 4        

No dia seguinte Mauricio foi até o escritório da firma Bragança e Silva Associados. Ele foi recebido pelo Dr. Marcelo Ribeiro Vendemiatti. O advogado era um homem alto e ligeiramente acima do peso. Vestia um impecável terno bege muito bem cortado. O rosto era tipicamente italiano com um ligeiro toque de sangue nordestino. De fato, como Mau ficando sabendo depois, o Dr. Vendemiatti tinha sangue baiano através da mãe.  
— Bom dia senhor Mauricio! É um prazer tê-lo aqui em nosso escritório. — sorridente o Dr. Vendemiatti estendeu a mão para Mauricio.
Mauricio deu uma ligeira olhadela na sala. Ela era espaçosa e tinha as paredes impecavelmente pintadas de branco. Alguns quadros com aquarelas abstratas davam um toque de bom gosto ao ambiente. Havia sofás confortáveis revestidos de tecido marrom.
— Por favor, sente-se Sr. Mauricio. — o Dr. Vendemiatti indicou uma cadeira em frente a sua mesa de trabalho.
O advogado abriu uma pasta de papel, colocou óculos de leitura. — Vejamos... A escritura da propriedade está em dia. Os impostos pagos... Enfim, o senhor só terá que assinar os documentos, mais nada.
— O que eu não consigo entender é como meu tio deixou esta propriedade para mim. — Mauricio murmurou.
— Como assim? — o advogado encarou Mauricio por cima dos óculos.
— O que eu quero dizer, é que a gente nem era muito próximo. O que eu não entendo é como ele foi se lembrar de mim no testamento.
— Vai ver ele o tinha em consideração mais do que o senhor imaginava. — o advogado folheou algumas páginas da pasta.
— É, pode ser. — disse Mauricio sem muita convicção.
— Bem. De qualquer forma o senhor terá uma cópia do testamento dele e verá por si mesmo. Agora é só assinar aqui e o senhor estará de posse da propriedade. — o Dr. Vendemiatti passou uma folha para Mauricio.
Mau leu rapidamente o documento e o assinou.
— Neste envelope que o senhor levará está a escritura e um inventário de tudo o que a propriedade contém. Ah, quase me esqueci... — o advogado abriu uma gaveta e retirou outra folha — fiz uma cópia com um mapa para que o senhor possa chegar até a propriedade. Baixei do Google Earth. Com ele não tem erro, vai ser fácil chegar até lá.
Mauricio pegou o envelope pardo grande da mão do advogado.
— Nós da Bragança e Silva Associados estamos prontos para lhe assessorar em qualquer coisa que o senhor desejar, senhor Mauricio.
Percebendo que estava sendo dispensado, Mauricio se levantou e apertou a mão do advogado. Assim que ele saiu do escritório, tomou um corredor que o levaria para o elevador principal. Foi quando ele viu algo tremendamente inusitado.
Junto à grande janela do final do corredor havia uma menina loira de cabelos desgrenhados, vestida com um vestido gasto e sujo. Que parecia ter tido a cor azul, só que agora bem indistinta por causa da sujeira. Os pés dela estavam sujos e descalços. Até parecia que aquela criança de onze anos não via a água de um banho há muito tempo.
O primeiro pensamento de Mauricio foi que de alguma forma, a criança mendiga e maltrapilha tivesse entrado sorrateiramente no prédio. A menina virou o pescoço e por cima do ombro direito olhou friamente para Mauricio. O rosto era arredondado, pálido e sujo. Uma face basicamente saindo da infância e entrando na puberdade. Os olhos eram graúdos e de um azul claro, e tinham olheiras escuras em volta das órbitas. E estavam cheios de um terrível ódio. Um ódio como se pudesse conter todo o rancor e a raiva do mundo.
Mauricio ficou trêmulo diante daquele olhar azulado de puro ódio. Ele começou a sentir frio como se estivesse subitamente entrado em um freezer. Logo ele sentiu um cheiro nauseabundo de carniça. Era como se ele tivesse entrado numa vala pútrida cheia com animais em decomposição.
Mauricio começou a tremer pelo corpo todo e achou que cairia em pleno piso do corredor. Algo como um medo inexplicável tomou conta dele. Ele tentou sair correndo dali, mas aparentemente suas pernas não quiseram lhe obedecer.
A menina feia gargalhou. Foi como se uma pessoa com enfisema pulmonar tivesse tentando gargalhar. A risada desdenhosa e asmática retumbou na cabeça de Mauricio, como se quisesse arrebentar o crânio dele.
— Há!Ha!Ha! Não adianta correr... Ninguém escapa de Eymah! (terror, pavor em Hebraico) — a coisa horrível disse o nome como se a última letra fosse um erre bem forte. Ao rir mostrara dentes encardidos.
Paralisado pelo medo Mauricio apoiou as costas na parede, mas não conseguia tirar o olhar daquela coisa horrenda que se parecia como uma garota suja.
Como psicólogo ele começou a acreditar que estava alucinando. Primeiro fora a estranha figura de terno na janela da churrascaria, agora era isto no corredor diante de si. Tinha que ser alucinação. Não havia outra explicação plausível para o que estava vendo. Bem, ele não era usuário de álcool, ou entorpecentes. Aquilo poderia ser uma crise de abstinência de nicotina?
De qualquer forma ele pensou assombrado que aquela visão horrível parecia bem real diante de seus olhos. Por outro lado, ele como psicólogo sabia que algumas lesões cerebrais podiam causar alucinações. Mas e o cheiro putrefato de carniça? Como explicar aquilo? Um cérebro lesionado também podia sentir fazer com que uma pessoa sentisse cheiros estranhos.
Ele fechou os olhos e suspirou. A risada asmática daquela criatura horripilante ainda ressoou em seus ouvidos. Ao abrir novamente os olhos, para surpresa dele já não havia nenhuma criatura maltrapilha junto à janela. Era como se nunca tivesse aparecido nada ali.
Mauricio olhou desconfiado para todos os lados. Com o corpo coberto de um suor frio tentou disfarçar naturalidade quando uma moça passou por ele e o olhou desconfiada. Ele viu nitidamente no olhar dela, a preocupação com a saúde dele.
Engolindo em seco ele foi com pernas endurecidas pegar o elevador. Queria cair fora dali o mais rápido possível. Enquanto o elevador foi descendo para a garagem. Ele achou que realmente precisava fazer uma bateria de exames o mais rápido possível.



Capítulo 5

Quando o novo dia amanheceu Mauricio se viu agradecido por isso. A noite realmente fora muito ruim e ele praticamente não dormiu. Na mente dele passa mil coisas sobre a visão da menina maltrapilha e desgrenhada. Como psicólogo, sua mente racional queria rotular aquela experiência como alucinação. Por outro lado, havia uma parte bem no fundo de seu subconsciente que gritava em alta voz que aquilo era algo sobrenatural.
Não adianta correr... Ninguém escapa de Eymah!
O que a estranha menina lhe dissera estava marcado de forma indelével na mente dele. E toda vez que as palavras se repetiam como um filme bizarro, Mau sentia um medo inexplicável. Ele não conseguia esquecer a cena.
Demônios e espíritos maus não existem! — ele disse a si mesmo. Mais uma vez sua mente racional tentava se afirmar dizendo que demônios e espíritos não passavam de crendices de povos atrasados e supersticiosos.
Depois de tomar uma ducha ele pegou o carro e foi para o prédio da redação. Assim que estacionou ele deu de encontro com Sandra. Ele estava radiante de felicidade, mas esmoreceu o sorriso quando viu o aspecto insone dele. Eles ficaram um tempo perto do carro dele.
Ela o beijou nos lábios e quis saber o que se passava realmente.
— Mau... O que você tem? Não vai me dizer que está arrependido da nossa relação. Eu...
Ele a cortou subitamente. — Não Sandra... Não é isto. É que eu...
Amargurada ela engoliu em seco. — Mau, eu quero que você seja sincero comigo! Se você está pensando em cair fora, eu compreendo. Eu acho que já sou bem crescidinha para suportar o tranco.
— Para um pouco ta! Dá para me ouvir? — ele disse com irritação.
Ela estranhou aquilo da parte dele. Afinal Mauricio sempre fora um homem calmo e controlado. Só agora ela percebeu que ele olhava para todos os lados como se estivesse sendo perseguido por algo. Ela viu ele tatear os bolsos da frente da calça jeans em busca de um maço de cigarros. A raiva dela desapareceu como encanto.
Ela colocou a mão por cima do ombro dele. — Vai meu amor, me diz o que está acontecendo.
Mau olhou para todos os lados com olhos cheios de medo e ela viu isto novamente.
— Eu... — Mau abaixou a cabeça como se fosse difícil dizer aquilo — Eu estou tendo alucinações.
Sandra fechou o semblante. — Como assim alucinações?
Mau relatou detalhadamente a inusitada visão que teve ao sair do escritório de advocacia.
Ela o abraçou e o beijou calorosamente.
— Seja o que for nós vamos enfrentar isto juntos. — ela disse afetuosamente.
— Mas se isto não for alucinação e eu estou vendo espíritos maus, por que é que eu não vi nada dentro da casa do Campos Elíseos?
Sandra lutou por uma resposta condizente a situação dele, mas ficou quase perdida.
— Talvez não fosse o momento certo, sei lá. Talvez tudo isto signifique que você seja um médium em potencial. Provavelmente nós teremos que pesquisar sobre isto. — Sandra acrescentou. Ela tinha uma tia espírita e certa vez lhe explicara algumas coisas.
  


 Este é um tira-gosto do meu livro novo.
   
 
    
  
    

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