Todo aquele que possui o dom da presciência deve entender, que prever o futuro não implica que poderá mudá-lo. O fluxo do tempo se assemelha as ondulações provocadas por uma pedra quando lançada sobre as águas de um lago. Cada ondulação traz em si mesma, variações temporais das quais o profeta não possui o mínimo controle. A única certeza que ele terá é essa: Não existem coincidências.
Trecho extraído do Sefer ha Goláh, o Livro do Exílio. Escrito por
Rubino quando esteve exilado no planeta Exílio.
Amom correu apressado pelo passadiço elevado
muito acima dos jardins da entrada da estação. Por um breve momento ficou olhando
para os carros voadores passando com velocidades extremas pela via aérea. Como
que saindo de um transe, decidiu que não tinha tempo para perder com estas
observações urbanas. Precisava pegar o trem maglev que sairia as 07h30min. Se
por acaso chegasse atrasado, o senhor Fukuoka falaria o dia inteiro e isso
seria desagradável.
O salão de entrada da estação estava
lotado. As pessoas estavam preocupadas em se desviar dos robôs faxineiros
encerando o piso. Suas faces mostravam claramente a disposição e a vontade de seus
corpos de ainda poderem estar em camas macias.
Amom finalmente se aproximou da plataforma
onde tomaria o trem. Deparou-se com uma profusão caótica de cartazes
holográficos numa mixórdia colorida, gerando uma poluição visual de propagandas
das inúmeras corporações. Cada grande empresa da Corporação Tecnológica se
achava no direito de mostrar seus produtos aqui, dando a impressão de uma
terrível competição de marketing na propaganda de seus produtos.
Irritado, Amom entrou no trem já
abarrotado de pessoas numa lufa-lufa de tecidos. Carrancudo o rapaz varreu o
vagão com a vista procurando um assento vazio para se sentar. Notando
claramente que era raro encontrar assento vazio a esta hora da manhã.
Finalmente conseguiu encontrar um lugar junto a uma janela, onde pelo menos
poderia atenuar o tédio olhando a paisagem da cidade. Latínia era uma metrópole
gigantesca nesta época de alta tecnologia, e fora construída no interior do que
tinha sido o extinto Estado de São Paulo. Os Brasileiros sobreviventes da época
da Grande Fome tinham percorrido um
longo e árduo caminho.
Enquanto observava as grandes torres que
muitas vezes ultrapassavam as nuvens, a história recente da humanidade foi como
que se intrometendo na mente dele. Depois da Quarta Grande Guerra, o remanescente do povo brasileiro ergueu essa
cidade transformando-a na capital do Estado Federativo da América do Sul. Seus
olhos olharam fascinados para as torres azuladas ultrapassando as nuvens mais
baixas. Essa cidade era responsável por grande parte da produção do material de
alta tecnologia consumido pela população da Federação. Com um profundo suspiro Amom
se lembrou de que por pouco a humanidade não tinha se destruído na última
guerra fratricida.
As cenas de fome e destruição arquivadas nos
holovídeos dos bancos de dados existiam para mostrar o que tinha acontecido,
eram cenas que vinham agora como um fantasma agourento para assombrar sua mente
nesta manhã. No primeiro quarto do século 21, o antigo Império Americano
começou a dar fortes sinais do fim fatídico que se aproximava. Seu modelo de
política praticada há décadas começou a semear e a causar grandes perturbações
no planeta inteiro. As antigas nações já fortalecidas não estavam dispostas a
concordarem com todos os caprichos do congresso americano. Os povos islâmicos
que claramente nutriam ódio contra os americanos decidiram se levantar em
massa.
Segundo os poucos documentos que restaram
daquele período turbulento, este ódio não era coisa recente. Era algo que vinha
sendo alimentado por décadas de divergências político-religiosas. Foi
justamente nesse momento histórico, que esses povos islâmicos se sentiram
fortes o suficiente para se erguerem contra aquilo que achavam uma opressão. Descobriu-se
que o homem que estava por trás deste levante era um gênio da eloqüência, a
grande ironia do destino era que este era um árabe era americano por parte de
mãe.
O Doutor Yussuf Mansur era um gênio no
campo da pesquisa biológica, e para a desgraça da humanidade era um clérigo
ultra-ortodoxo. O homem tinha perdido a esposa e o filho, numa operação
conjunta dos americanos e israelenses numa aldeia do Oriente Médio. Jurando que
um dia destruiria a nação americana, Mansur fundou um movimento revolucionário
chamado A Espada de Alá.
Um vídeo recuperado da época mostra o Doutor
Mansur se dirigindo à comunidade mundial dizendo que atacaria bem no coração da
nação americana. E foi exatamente o que aconteceu. Um belo dia um surto incontrolável
de gripe começou a se manifestar em diversas cidades norte-americanas,
começando a matar um montão de gente. A enfermidade era causada por uma cepa de
vírus geneticamente modificado, uma coisa que nunca antes fora observada. Antes
que se descobrisse algo paliativo, mais de 500 mil americanos morreram sob o
efeito desse vírus mortal[1]. Com
muito custo os cientistas norte-americanos conseguiram conter a fúria do vírus
de Mansur, mas o custo havia sido muito alto.
Num ato de desespero e precisando dar uma
resposta ao ataque, o Congresso americano votou leis de emergência dando plenos
poderes ao presidente. Com isso, o governo poderia dirigir a resposta ao seu
agressor da maneira que melhor lhe conviesse. Tomando uma decisão que hoje
chamaríamos de arbitrária, o Congresso americano dividiu a humanidade em duas
classes: Em amigos e inimigos dos americanos.
Então a guerra se acendeu como um
rastilho de pólvora, se espalhando por todos os hemisférios do planeta.
Por seis longos anos o conflito se
alastrou pelos territórios islâmicos. Morte, dor e destruição cavalgaram sob a
cela do Cavaleiro Vermelho do Apocalipse. Tropas vestidas com o mais moderno em
tecnologia; se engalfinharam em promontórios rochosos, pradarias, aldeias,
cidades e desertos. Mas assim como começou, o fogo da guerra extinguiu-se, e
mais uma vez o Império Americano saiu-se vencedor da batalha. Pela destruição e
duração, este conflito foi considerado a Terceira
Guerra Mundial. Mas mesmo com toda a fúria do ataque dos americanos, estes
não conseguiram destruir os líderes da Espada
de Alá.
Saindo ilesos das batalhas, os líderes da Espada de Alá mostraram que não ficariam
inativos por muito tempo. Mansur sendo um gênio em tática militar reagrupou
seus cientistas pensando num próximo lance. Em cavernas profundas das montanhas
do Afeganistão, estes cientistas criaram um míssil stealth de longo alcance.
Sem pensar duas vezes, esses homens liderados por Mansur dispararam o míssil em
direção da América do Norte. O míssil stealth possuía uma ogiva atômica de 200 Megatons
de TNT, feita com material contrabandeado do Irã. Era uma bomba capaz de varrer
qualquer megalópole do mapa.
Numa bela manhã do dia 18 de abril de 2048,
um sol brilhou bem no centro da cidade de Washington.
Partindo do epicentro o fogo atômico
devorou todas as estruturas num raio de 25 quilômetros, transformando o centro
da capital dos Estados Unidos num deserto radioativo. Milhões morreram,
milhares ficaram feridos e desabrigados. O grande Império ficou estarrecido e perplexo por ter sido ferido daquela
forma. Até mesmo a população mundial ficou chocada com a brutalidade do
atentado terrorista, porque até o momento ninguém acreditava que o grupo
terrorista islâmico seria capaz de tanta proeza. Mostrando um grande preparo
numa situação destas, os militares escondidos em suas bases subterrâneas como o
centro NORAD conseguiram colocar certa ordem no caos.
Eles imediatamente criaram a Junta
Punitiva e a reciprocidade era o lema desses líderes militares. Numa reunião
emergencial a Junta fez um juramento que destruiria todos os povos islâmicos do
planeta, eliminando-os definitivamente da face da Terra. Numa coisa inédita
para a política americana, um general assumiu o poder, com a completa aprovação
por parte do povo. Esquadras de aviões caças automáticos partiram das bases
americanas em direção ao Oriente Médio. Eram aparelhos comandados por uma nova
tecnologia de inteligência artificial, que não sabia o que significava a
palavra piedade.
O atentado a Washington foi à mola mestra
para o inicio do período, que os psicohistoriadores costumam chamar de a Segunda Era das Trevas. Cada país, cada cidade e pequeno povoado foram
varridos Poe aquelas frias máquinas assassinas. Não deixaram nada de pé, toda
estrutura foi pulverizada por novos armamentos lançadores de raios de plasma.
Na batalha final os soldados americanos encurralaram os membros da Espada de Alá nas montanhas afegãs,
todos foram esfolados vivos e colocados em estacas ao sol para morrer.
Depois que a última resistência islâmica
foi eliminada, os esquadrões de extermínio varreram as regiões habitadas por
povos de maioria muçulmana. A ordem era clara para os esquadrões avançados: Quem
não mudasse de religião deveria ser morto imediatamente! Nem é preciso dizer
que aquelas pessoas preferiam morrer a mudar de religião. Mesmo em última
instância, e sob a ameaça de aniquilação, as pessoas se apegam ferrenhamente as
suas tradições religiosas. Elas encaram a morte com completa altivez de
espírito.
As outras potências da época até então
eram neutras no conflito. Não suportaram ver os terríveis massacres, então
decidiram deter o gigante americano. E no dia 31 de janeiro de 2050, a União
Européia e o Bloco Asiático comandado pela China declararam guerra aos Estados
Unidos. O grande Império Americano se achando no direito divino de governar os
povos da Terra, e confiando em sua alta tecnologia, acreditava que Deus estaria
do seu lado.
O Império Americano ainda conseguiu
resistir aos seus adversários por um período de sete anos completos, mas
nenhuma nação por mais forte que seja consegue se manter em tantas frentes de
batalha. Mas no desenrolar final daquela que foi chamada a Quarta Grande Guerra Mundial,
todos perceberam que não haveria vencedores. O grande conflito deixou o planeta
tão arrasado, que o sistema ecológico já fragilizado das eras anteriores entrou
definitivamente em colapso. Por causa disso a Terra já não podia sustentar as
espécies, e cinco bilhões de pessoas pagaram com suas vidas por causa da
insensatez de poucos homens uniformizados.
As grandes cidades outrora cheias de vida,
agora estavam vazias como tristes memoriais à loucura dos homens. A própria
nação americana não teve como sobreviver à destruição sistemática do planeta.
Num ato de desespero seus militares remanescentes e seus cientistas decidiram
que, era chegado o momento de se mudarem para a protocolônia já existente em
Marte. Era uma tentativa patética de tentarem salvar seu modo de vida.
Juntaram os últimos recursos que possuíam
construindo naves de transporte em sua base na Lua, o que era uma forma de levar
gente e materiais para seu último refúgio. Essa atitude lhes permitiu construir
uma mínima infraestrutura, que lhes possibilitaria a sobrevivência no inóspito
planeta vermelho. Na Terra ficaram continentes inteiros cobertos de vastos
campos de ruínas cheias de ossos, com um resto miserável de população que
lutava para sobreviver todos os dias. Este período foi denominado pelos
Psicohistoriadores como a Época da Grande
Fome. Os três bilhões remanescentes tiveram constantes baixas por causa da
inanição e canibalismo.
Parecia que finalmente a sofrida
humanidade do planeta Azul teria o seu término, como foi a tanto tempo
preconizado pelos antigos. Mas quando a escuridão sombria parecia ter engolido
toda a civilização humana, surgiu alguém que trouxe um pequeno raio de
esperança para aqueles que sofriam nas trevas da fome e da miséria.
Numa inovadora atividade, um homem se
ergueu das cinzas da destruição, decidindo que não morreria e que a humanidade
mais uma vez seria forte. Seu nome era Tomé Almeida de Azevedo. Ele era um
brasileiro. Este homem desenvolveu um modelo de comunidade autossustentável
que, era capaz de sustentar uma população de pequeno porte. A primeira destas
comunidades foi criada no que tinha sido o outrora belo país chamado Brasil,
produzindo alimentos e uma incipiente indústria de bens básicos.
Tomé criou oficinas improvisadas
utilizando restos de materiais bélicos deixados nos quartéis abandonados. A
esta se seguiu outras comunidades que, foram recebendo os famintos maltrapilhos
sobreviventes da guerra. Após a estabilização destas comunidades, estas
acabaram gerando outras comunidades. Após isso, Tomé partiu em direção aos
outros países numa tentativa de criar novos assentamentos. Ele acreditava
piamente que isso possibilitaria a sobrevivência dos remanescentes da grande
guerra.
Ele viu que grande parte do solo da
Europa, da Ásia e da América do Norte estava arrasada pelas armas químicas e
pela radiação atômica. Então, organizou comboios de aviões para levar os
sobreviventes destas regiões para a África, onde o solo quase não tinha sido
afetado pela guerra. Foi nesse período que ele conheceu um médico brasileiro chamado
Andréas Rubino que, já estava trabalhando com os sobreviventes da África.
Juntos criaram uma grande comunidade chamada Saint Peace, que se tornaria mais
tarde a capital da Federação de Povos da Terra.
Andréas Rubino teve a idéia de procurar pelas
regiões outrora muçulmanas, para ver se ainda existiam sobreviventes do Grande Massacre. Foram descobertos
vários subterrâneos nas antigas capitais dos países islâmicos, onde
sobreviventes se empilhavam como ratos na luta pela sobrevivência. Tomé os recebeu
em Saint Peace lhes prometendo que, ali teriam plena liberdade de culto para
praticar sua religião.
Sendo judeu, Andréas foi o homem que
possibilitou a sobrevivência da etnia árabe e dos muçulmanos em geral na Terra.
A única crítica que os historiadores do presente fazem a Tomé, é que ele criou um
sentimento nos brasileiros que estes eram um povo especial. Devendo somente
casar-se entre si para que pudessem sobreviver como povo, e preservassem a
cultura que outrora tinha sido tão bela. O desejo de Tomé era voltar para as
regiões do Neo-Brasil, onde seu povo reerguido prosperava a pleno vapor. Mas os
outros sobreviventes da guerra que estavam vivos graças a ele decidiram o
eleger como o Grande Legislador de toda a Humanidade.
Com apoio do povo Tomé organizou o
primeiro parlamento Federativo, onde todos os representantes das etnias
sobreviventes teriam representatividade. Andréas que tinha sido escolhido para
ser vice-Legislador começou a criar as primeiras indústrias, para suprir os
itens básicos de que a população mundial necessitava. Ainda existiam sobreviventes
norte-americanos famintos e maltrapilhos, que ainda viviam precariamente na
América do Norte. Todos foram ajuntados por Tomé, sendo reorganizados em
comunidades autogestoras à moda brasileira.
Mas isso somente foi possível em regiões, onde
o solo não foi contaminado demasiadamente pela radioatividade ou elementos
químicos deixados pela guerra. Esses remanescentes americanos viviam com medo
de represálias, por causa dos crimes de guerra cometidos por seus compatriotas
militares. Mas Tomé os tranqüilizou dizendo que o passado tinha ficado para
trás, que deveriam somente pensar no futuro e na sobrevivência da humanidade
como um todo. Este foi o discurso de Tomé na primeira sessão do parlamento
recém-criado:
“Vejam! Agora vocês têm como perpetuar a
nossa humanidade. Não cometam a mesma tolice de nossos antepassados, que quase
nos destruíram por conta de suas rixas mesquinhas da política e da religião.
Olhem somente para o futuro (nesse ponto Tomé fez seu gesto famoso em direção
ao horizonte que mais tarde foi imortalizado em bronze), é lá que se encontra a
nossa sobrevivência. Quando eu me for, procurem se entender e evitem a guerra. Pois
se isso acontecer novamente, eu lhes asseguro que deixaremos de existir.
Caminharemos daqui para frente como um só povo, onde não existirão as antigas
barreiras geográficas, ou até mesmo, as diferenças ideológicas. Como Grande Legislador,
eu declaro a criação da Federação de Povos da Terra!”
E foi desta forma que nasceu a
Federação de Povos da Terra. Todos os sobreviventes do holocausto acreditavam
que se a humanidade quisesse sobreviver, deveria acabar definitivamente com a
guerra e a discórdia. Depois de vários anos de destruição em massa, a
humanidade emergiu para uma nova era de paz e prosperidade.
No ano de 2169, a cientista Walda Harbin
Shelomo[2] conseguiu
colocar em funcionamento o primeiro propulsor estelar. Aparelho que
possibilitava a viagem em dobra espacial. Com esse equipamento uma nave poderia
estar em qualquer lugar na galáxia instantaneamente, significando que a espécie
humana já não estava presa ao seu sistema solar pátrio. Na segunda metade do
século 22, a Terra já possuía três embriões de colônias no espaço profundo.
Não tinha sido descoberta por
enquanto vida inteligente como o homem nos setores já explorados, mas o espaço
era muito grande para se afirmar com certeza que não havia vida inteligente.
Uma grande quantidade de plantas e animais exóticos foi descoberta nessas
explorações de espaço profundo.
O primeiro planeta colonizado pelo homem
fora do sistema solar foi o terceiro planeta de Alfa-Centauri, em seguida
vieram Tau Ceti e Sirius. Estas três primeiras colônias trouxeram uma enxurrada
de riquezas e novos conhecimentos para o homem. Grandes descobertas da ciência
passaram a ser uma coisa quase que corriqueiras naqueles dias. A humanidade
unida em um só propósito podia juntar as forças e recurso para a pesquisa
cientifica.
Os frutos dessas pesquisas foram: o
controle efetivo da gravidade, do envelhecimento e também a criação de membros
e órgãos humanos para reposição. Em seguida, veio o desenvolvimento de uma
inteligência artificial semelhante ao cérebro humano.
Amom voltou à realidade do que estava a sua
volta.
O trem maglev já estava se
aproximando do centro da cidade, e nesse momento a holotela do teto começou a
mostrar um comercial da Gen-Vital Corporation. Um jovem cientista negro
vestindo terno-kimono de Gel-ipladim dizia que a Gen-Vital estava desenvolvendo
um projeto, que reporia grande parte dos peixes e cetáceos extintos aos seus
oceanos da Terra. O jovem sorridente dizia que graças às pesquisas do
desaparecido doutor Takamoto Seiko, essa perfeita replicação genética seria
usada para trazer animais extintos à vida novamente.
O céu acima de Latínia escureceu
ligeiramente, um ronco surdo fez com que as janelas de policarbonato do trem
tremessem levemente. Amom encostou a cabeça na janela, podendo ver um grande
cargueiro em forma de asa delta passando por cima da cidade. Talvez estivesse
levantando vôo em direção à colônia de Alfa-Centauri[3]. A
colônia de Hope como era chamada o terceiro planeta daquele sistema, era um
grande consumidor de máquinas desflorestadoras. Sem essas gigantescas máquinas
os colonos não tinham como limpar os terrenos para plantar suas culturas
vegetais. O solo de Hope era constituído basicamente de enormes florestas. As
máquinas produzidas na Terra possibilitavam aos colonos o meio ideal para
limpar a superfície para o cultivo. Na colônia de Hope existia apenas uma
cidade de 600 mil habitantes, e era chamada de New Hope.
Vendo o cargueiro ir embora, Amom sentiu
um ligeiro desconforto emocional. Era um conjunto de sensações que ele não
soube definir corretamente o que era. Toda a vez que pensava em Alfa-Centauri
sentia algo como se fosse uma tristeza profunda. Qual era a origem dessa emoção
estranha?
Uma suave voz feminina o fez voltar à
realidade, tinha chegado à estação Sérgio Schmidt. Parando por um momento após
descer do trem, ele olhou fascinado para um canteiro de Bulbo-flores, plantas exóticas
trazidas do planeta Hope. Estas estranhas flores possuíam o formato tubular, de
suas aberturas redondas soltava tentáculos que se mexiam freneticamente. Os
tentáculos de cor azulada emitiam um delicioso aroma de ameixa madura,
perfumando e ao mesmo tempo purificando o ambiente da entrada da estação.
A substância produzida por esses
tentáculos era um forte bactericida e antibiótico de ação comprovada na
purificação de interiores, por isso em quase todos os lugares se utilizavam
essas flores hoje em dia. Olhando para o mostrador de seu computador de bolso, o
rapaz notou que dispunha de trinta minutos para chegar ao trabalho. Ainda havia
alguns minutos que possibilitariam um desjejum rápido. As pessoas que passavam
ao seu lado sempre o encaravam de modo estranho, fazendo-o ficar preocupado com
aquilo. Era um rapaz de vinte e cinco anos, e à medida que o tempo passava,
notava esses olhares estranhos daqueles que passavam a sua volta. Isto se
intensificava de modo desagradável a cada dia.
Deus!
Por que será que as pessoas sempre me
olham assim? — ele pensou irritado. Todas as manhãs eram a mesma coisa e na
volta o fenômeno se repetia.
Assim que foi descendo as escadas que o
levariam ao piso inferior, percebeu que havia algo errado consigo. Sua visão
que sempre fora perfeita tornou-se embaçada. Sentiu que se não se apoiasse no
corrimão certamente cairia rolando pelos degraus. De repente, algo como uma
descarga elétrica insinuou-se em sua coluna, produzindo uma sensação
terrivelmente desagradável. Amom curvou-se todo, era como se estivesse tendo
uma monstruosa câimbra pelo corpo todo.
Tentou gritar, mas a única coisa que saiu
de sua garganta foi um estertor rouco, mais parecido com o som produzido por um
animal selvagem ferido. Ele perdeu o equilíbrio. Desceu rolando
descontroladamente escada abaixo, até parar no piso próximo ao último degrau. O
piso inferior estava lotado de pessoas nessa parte da manhã, elas emitiram sons
de surpresa quando viram o rapaz rolando. Alguns correram agitadamente para
socorrê-lo. Muitos dos que estavam ali tiveram a desagradável impressão como se
estivessem vendo uma pessoa em plena manifestação de uma crise epilética.
O rosto do rapaz era uma mescla de
caretas horríveis que deformavam a jovem face. Seus olhos rodopiavam nas
órbitas, dando ao público que o observava um espetáculo muito desagradável. Nas
mentes de várias pessoas que assistiam aquilo, ocorreu à lembrança daquilo que
os antigos chamavam de exorcismo demoníaco, ou possessão diabólica.
O corpo do rapaz se acalmou um pouco passando
a vibrar em pequenas convulsões espasmódicas, de sua boca saiu uma espessa
espuma branca enquanto emitia sons desconexos. Um homem forte de meia idade
segurou a cabeça dele com força, com medo que as convulsões o machucassem. Amom
segurou fortemente o braço do homem que o ajudava, apertando-o como se fosse um
torniquete. O homem gemeu tentando se libertar da mão que oprimia seu antebraço.
Ele notou horrorizado que os olhos de Amom estavam baços como se pertencessem a
um peixe morto. Pacientemente tentou ouvir e interpretar o que significam
aqueles sons desconexos, que saiam daquela boca deformada pelos terríveis espasmos.
Mesmo com a voz sendo baixa; o homem pôde escutar algo parecido com isso:
— Andressa... Por favor, Andressa! Não me
deixe...
O homem pensou que Amom chamava por sua
namorada ou um parente qualquer, alguém deveria morar em algum lugar da cidade.
O computador da estação imediatamente
registrou o incidente, acionando os serviços dos para-médicos da estação.
Durante o estranho incidente, o jovem
Amom Guedes viu-se envolto em estranhas visões geradas pelo inexplicável
delírio. Visões que o fizeram se sentir como se estivesse no corpo de outra
pessoa. Mas o estranho era que aquela outra pessoa tinha sido ele mesmo num
passado recente. Pelo menos, era isso que sentia diante dessa estranha
experiência. Era uma estranha sensação como se ele fosse duas pessoas ao mesmo
tempo, coexistindo em dois contínuos espaços-temporais diferentes.
[1]
Este vírus que era uma cepa do tipo Influenza que foi modificado de tal forma,
que qualquer tentativa para domesticá-lo provocava uma reação de defesa por
parte do vírus. Os cientistas atuais acreditam que talvez Mansur tenha
desenvolvido um vírus sintético. Os infectados apresentavam uma reação gripal
normal no início da encubação, mas no desenrolar da infecção os pacientes
apresentavam inflamação progressiva dos órgãos internos, ao cabo de cinco dias
elas morriam com a destruição progressiva dos mesmos.
[2] Walda Harbin Shelomo nasceu com sérias deformações
congênitas em suas pernas, mas era possuidora de uma inteligência fora do
normal. Como física dimensional conseguiu desvendar os segredos da dobra
espacial, criando um protótipo que se desmaterializou dum ponto A,
materializando-se sem perda de tempo num ponto B do espaço. Graças a sua
descoberta, a humanidade conseguiu ter acesso às estrelas distantes.
[3] Alfa-Centauri na verdade, é um sistema estelar múltiplo que
é chamado pelos navegantes; Rigil Kentaurus (pata do centauro). Duas estrelas
giram num centro de gravidade comum em um período de 80 anos (na realidade
estrela tripla) onde duas são mais brilhantes, separadas por 14 segundos de
arco que forma uma belíssima dupla à distância de 4,39 anos-luz de nós. O
terceiro componente de a
Centauri é uma massiva estrela anã vermelha
minúscula com diâmetro de uma vez e meio de Júpiter e cerca de 50 vezes sua
massa. Talvez gaste milhões de anos para completar uma órbita em torno das
duas. (Nota do Autor)
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